Por 243 votos a 19, a Câmara dos Deputados aprovou hoje um projeto de lei que, com 35 emendas, liberou o desmatamento de 5 milhões de hectares no país. A flexibilização, no entanto, pode atrasar o reflorestamento de outros 4 milhões de hectares. A soma das regiões desmatadas equivale ao território de Portugal.
Trata-se da Medida Provisória 867, editada no final do governo Michel Temer (MDB), que propunha estender até 31 de dezembro de 2020 a adesão de produtores rurais ao Código Florestal.
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O texto, no entanto, passou pela Comissão Especial Mista no começo deste ano e foi transformado no Projeto de Lei de Conversão nº 9/2019. Na ocasião, deputados e senadores incluíram 35 emendas ao texto original –seis páginas que, para ambientalistas, “desfigura o Código Florestal”.
A votação começou na noite ontem com a tentativa da oposição de impedir que o projeto fosse votado, já que ele caducaria se não fosse apreciado até o dia 3 de junho. A obstrução não resistiu, e a votação do projeto foi garantida para hoje. A discussão durou o dia todo até que, por volta das 17h, o texto principal foi aprovado pela maioria.
O Plenário, então, entrou em debate sobre destaque do PSB que pretendia excluir do texto o dispositivo que aumentava a área que pode deixar de ser recomposta a título de reserva legal. Os governistas voltaram a ganhar: 252 votos a 79. O texto agora será apreciado pelo Senado.
A oposição argumentou em plenário que a aprovação do texto comprometeria o Código Florestal em benefício de poucos e grandes produtores rurais. Estudo do Comitê Técnico do Observatório do Código Florestal, organização civil formada por 28 instituições, indica que os 9 milhões de hectares comprometidos pelas emendas estão distribuídos em 147.906 imóveis.
“É uma concentração de terra muito grande”, diz a advogada e secretária-executiva do Observatório, Roberta del Giudie. “É um absurdo fazer uma alteração que afeta a imagem de todo o setor para favorecer 147 mil imóveis no Brasil inteiro.”
9 milhões de hectares
Para chegar aos 9 milhões de hectares, o Comitê Técnico do Observatório do Código Florestal avaliou a situação das reservas legais no Brasil. O grupo cruzou dados de vegetação nativa fotografada por satélite com a malha fundiária brasileira. Ao todo, foram analisados 3,5 milhões de imóveis e uma área de 364,1 milhões de hectares.
Os especialistas encontraram irregularidade em 147.906 imóveis, com ausência de vegetação nativa de 9.044.122 hectares. Esse déficit está concentrado no Centro-Oeste (em 3,8 milhões de hectares), seguido por Norte (1,7 milhão) e Sudeste (1,6 milhão). Entre os estados, o desmatamento é maior em Mato Grosso, Pará e São Paulo, principalmente em fronteira agricola.
Como o projeto assegurou o desmatamento?
A emenda mais importante mudou o artigo 68 do código, assegurando o desmate de 5 milhões de hectares. O artigo dizia que a reserva legal de cada propriedade agrícola deveria respeitar a legislação em vigor na época em que o imóvel rural foi criado.
“Se você desmatou uma fazenda em 1970, vale os limites estabelecidos pela lei daquela época, não o Novo Código Florestal”, explica o professor da Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) Gerd Sparovek, um dos responsáveis pelo mapeamento para o Observatório.
Responsável pela mudança no texto original, Sergio Souza (MDB-PR), diz que o código não fala qual é a lei da época para cada um dos biomas. “O legislador, naquele momento, entendeu que estava muito claro qual era a lei vigente à época: é o código de 1965 para a Mata Atlântica, é a lei de 1989 para o Cerrado, e é o de 2000 para a Amazônia.”
“Eles querem fazer um revisionismo”, diz Roberta del Giudie. A advogada diz que o código de 1965 já protegia todo o tipo de vegetação. “O texto dizia que o termo ‘florestal’ não significa apenas florestas densas”, diz. “Já temos jurisprudência sobre o assunto. Antes da aprovação do Novo Código, o então ministro do STJ Luiz Fux reconheceu que o cerrado era protegido em 1965.
” É uma análise muito rasa e conveniente para eles. A divisão de biomas com seus nomes só surgiu em 1989, mas o cerrado já era reconhecido como parte das nossas florestas
(Roberta del Giudie, do Observatório do Código Florestal)
“Com essa mudança, todo o desmatamento no cerrado entre 1965 e 1989, equivalente a 5 milhões de hectares, estará perdoado. Não precisará ser restaurado”, diz Gerd, da USP. “Mas, se protegido a partir de 1965, a redução de proteção cai para até 1,5 milhão de hectares.”
4 milhões de hectares sob risco
Enquanto a emenda ao artigo 68 livra os agricultores de recuperar a vegetação de suas propriedades, outras emendas permitem que 4 milhões de hectares corram o risco de ter o mesmo destino.
André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) explica que algumas emendas adiam o prazo para o proprietário rural aderir ao código. “Esse prazo já foi mudado quatro vezes, criando incerteza jurídica para o próprio agronegócio. O código fragilizado dificulta nossa inserção no mercado internacional.”
Roberta explica que as alterações não definem um prazo para o início da adequação.
O produtor só será obrigado a restaurar o bioma depois de uma notificação do poder público. Se daqui 20 anos um ente federativo identificar e decidir notificar, o produtor ainda terá um ano para se adequar. Com estados falidos e órgãos ambientais sucateados, você acha que essas notificações vão acontecer?
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