As comunidades da região a mazônica do Brasil enfrentam desafios devido às atividades industriais agressivas, hoje incentivadas pelo novo Governo de Bolsonaro. Esta série apresenta cinco jovens líderes que defendem a floresta. Neste capítulo: Ednei, representante de 45 aldeias de 13 povos indígenas
Um velho motor de barco (um Yanmar diesel de dois cilindros feito no Brasil) instalado em um chassi de caminhão, algumas chapas de aço, colocadas como uma cabine e uma caixa traseira sólida de madeira boa, compõem um veículo de aparência precária, mas poderoso em toda a sua simplicidade.
Utilizando-a há pouco mais de um ano, as 3 aldeias indígenas Borarí e Arapiun da Terra Indígena Maró (TI Maró) podem cobrir todo o perímetro de seu território em poucos dias. Isso é algo que a pé, como foi feito desde o início, leva muito mais tempo, cerca de duas longas semanas
Um velho motor de barco (um Yanmar diesel de dois cilindros feito no Brasil) instalado em um chassi de caminhão, algumas chapas de aço, colocadas como uma cabine e uma caixa traseira sólida de madeira boa, compõem um veículo de aparência precária, mas poderoso em toda a sua simplicidade.
Utilizando-a há pouco mais de um ano, as 3 aldeias indígenas Borarí e Arapiun da Terra Indígena Maró (TI Maró) podem cobrir todo o perímetro de seu território em poucos dias. Isso é algo que a pé, como foi feito desde o início, leva muito mais tempo, cerca de duas longas semanas.
O grupo indígena Borarí chegou a esse território remoto, povoado há séculos pelos Arapiun, há relativamente pouco tempo. Eles fugiram da pobreza de Alter do Chão, terra predominantemente Borarí, a cerca de 30 quilômetros a oeste de Santarém, hoje a capital do Baixo Tapajós, no Pará. Eles subiram todo o rio Arapiuns até a sua nascente, e de lá eles entraram no pequeno rio Maró, que é o que dá nome ao território.
O grupo é modesto, composto por cerca de 300 pessoas espalhadas pelas três aldeias: Novo Lugar, Cachoeira do Maró e São José III. Mas o território é relativamente grande: abrange cerca de 42.000 hectares de floresta primária, isto é, floresta amazônica intacta, que nunca foi derrubada
Paraum observador inexperiente, a floresta inteira parece igual, mas há uma diferença fundamental entre essa floresta virgem e aquela que já foi explorada. Em uma primeira fase de exploração madeireira, são derrubadas as árvores que contêm as madeiras tropicais mais valiosas, que são cotadas nos mercados internacionais
Uma segunda fase consiste em explorar a madeira restante, e uma terceira e última, na eliminação total da vegetação, geralmente para fins de agricultura industrial ou pecuária extensiva. Embora ao longo do tempo a floresta possa recuperar o espaço destruído, a biodiversidade original é extinta para sempre.
No Brasil, o avanço devastador do desmatamento ilegal parece irrefreável. Mas comunidades como as do Maró são aquelas que ainda oferecem resistência, e sua presença tem sido uma garantia de conservação, mesmo com dificuldades e mobilizações diante da agressão. Mas a chegada de Bolsonaro ao poder em janeiro deste ano já está mudando as coisas muito rapidamente.
Diante dessa nova realidade, eles precisam se preparar para enfrentar uma ameaça ainda maior: aqueles que se sentem protegidos pelas palavras agressivas do presidente contra os indígenas e contra a Amazônia. Muitos de seus seguidores acreditam que podem finalmente fazer o que querem, levando à letra o fato de Bolsonaro considerar os índios um “obstáculo à agroindústria e ao desenvolvimento”.
Bolsonaro foi eleito com um discurso racista, atacando minorias, negros e indígenas, dizendo que eles devem ser “integrados” a um uniforme distópico e ao Brasil “produtivo” que ele imagina. Essa ideia de preservar territórios indígenas, derivar suas terras e respeitar seus direitos, acabou, apesar de estarem incluídos na constituição brasileira de 1988.
No pacote, Bolsonaro também inclui ambientalistas e ativistas dos direitos humanos e dos direitos civis. Em seu famoso discurso eleitoral gravado em um pretenso vídeo caseiro, do quintal da sua casa, ele deixou claro suas intenções: “ou eles vão embora ou vão para a cadeia”.
Até que ponto algumas pessoas se sentem protegidas pelo discurso de Bolsonaro e agem por conta própria, pudemos presenciar durante nossa viagem ao interior do território indígena Maró. Pilotado por Dadá Borarí, o segundo-cacique depois do seu tio-avô, que é o primeiro-cacique do território, o veículo improvisado nos levou pela estrada que marca o perímetro do território indígena, rota cheia de obstáculos e perigos que, no entanto, os vigilantes enfrentam com entusiasmo e determinação.
Há alguns anos, desde que as incursões dos madeireiros se tornaram mais agressivas, e seguindo uma recomendação da FUNAI, um grupo de homens eleitos pelas aldeias viraram vigilantes do território e percorrem seu perímetro regularmente, em jornadas que geralmente duram cerca de dez dias.
Esses homens experientes, que conhecem a floresta desde pequenos, centímetro a centímetro, incluem há pouco tempo Ednei, um jovem Arapiun de Cachoeira do Maró, a aldeia vizinha de Novo Lugar, que também foi recentemente eleito como coordenador do Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns (CITA), representante legítimo de 45 aldeias de 13 povos indígenas diferentes, pertencentes aos povos indígenas do Baixo Tapajós, Rio Arapiuns, Rio Maró e Planalto Santareno.
Ednei, com apenas vinte anos, é uma pessoa de poucas palavras, mas mostra grande determinação. Ele entende bem o papel atribuído a ele e está disposto a continuar com toda a coragem de sua juventude.
A incorporação de jovens ao grupo de vigilantes é fundamental para a continuidade de sua missão ao longo do tempo. É essencial que eles adquiram o conhecimento e experiência necessários para a defesa de um território submetido à pressão de um ambiente hostil e ganancioso, que busca extrair suas muitas riquezas.
A pressão, acima de tudo, vem das madeireiras que operam na região e de alguns caçadores furtivos que vêm para roubar madeira ou caçar a rica diversidade de animais que fazem parte da subsistência das aldeias. Estes últimos são, muitas vezes, moradores de terras vizinhas que venderam suas florestas e que agora, empobrecidos, não têm outra opção a não ser tentar obter alimentos na Terra Indígena Maró, ainda intacta.
As rodovias de vigilância são longas e as condições na floresta difíceis, mas as crenças desses nativos fornecem a sabedoria e a coragem para garantir o sucesso de suas expedições. A Terra Indígena Maró, conta Dada, além de sustentar, abriga lugares sagrados, igarapés que alimentam o rio Maró, ervas e plantas medicinais e, acima de tudo, vive a Curupira.
Por essas terras, a entidade protetora das matas adquire um sentido muito mais profundo, e enigmático. Como entidade sagrada, a Curupira tem poderes mágicos que determinam o que acontece àqueles que entram na floresta. A missão que se propuseram esses indígenas é a de respeitar e proteger a terra, e, dessa forma, respeitar e proteger a si mesmos.
Aprender a defender o território é um dos desafios importantes do jovem Ednei, que também cursa o primeiro ano de Ciências Atmosféricas na Universidade de Santarém, a metrópole que fica a meio dia de barco da aldeia.
Comandado por Dada, junto com Ednei e o grupo de vigilantes da TI Maró, entramos na mata para uma viagem de reconhecimento. No caminho, eles mostram restos de madeira roubada, 26 grandes e valiosos troncos já enumerados que uma madeireira não pôde terminar de remover: é um triste cemitério de árvores derrubadas antes que o território conseguisse avançar na demarcação como terra indígena e ser protegido por lei.
Essa madeira abandonada, que lentamente se decompõe para servir como nutriente para a mesma terra em que cresceu, é o trágico testemunho de uma depredação real e muito próxima. A passagem de um caminhão de grande tonelagem transportando troncos majestosos pela faixa fronteiriça com o território, que provavelmente leva o seu tesouro abatido aos mercados internacionais, nos recorda que a ameaça não é virtual.
Os povos indígenas do Maró têm grande interesse em denunciar um descampado onde uma antiga madeireira abandonou máquinas sem uso e outros detritos de sua atividade predatória no território. Mas para eles significa uma ferida, um traço execrável que eles exigem apagar, e parece que a sua concepção sagrada da floresta dá ao depósito o caráter de uma profanação.
O conflito adquire uma dimensão explícita quando a disputa territorial se materializa na propriedade imobiliária. É o caso de uma casa que pertenceu a um madeireiro, mas como o território começou a ser demarcado e a construção foi incluída no território indígena, ela por lei passou a pertencer aos indígenas do Maró.
Mas o antigo proprietário insistiu em mostrar seu poder contratando caseiros para habitar a casa e confrontar os índios, que desejam dar a essa propriedade um uso comunitário.
Desde que o processo de demarcação foi retomado, em 2016, a casa permaneceu desabitada. Mas, recentemente, pichações ameaçadoras começaram a aparecer em uma parede lateral: “Índio ladrão”, lia uma, “vá para o inferno”. “Bonsonaro”, dizia outro, com erro de ortografia incluído. O apelo a Bolsonaro já significava uma premonição de algo pior, um mau presságio.
Mas a surpresa desta vez foi que, quando chegamos, encontramos a casa fechada, vigiada por dois cães. Quando o grupo conseguiu abrir a porta trancada e finalmente entrar na casa, encontrou comida fresca e sinais óbvios de que a casa estava novamente invadida. O suposto dono havia retornado à sua política de confronto.
Ajudados por uma equipe de jovens ativistas indígenas que acompanharam a expedição, e liderados por Ednei, também membro desse grupo, eles decidiram pintar em dois cartazes uma mensagem muito clara. “Aqui é terra indígena”, disse o primeiro. “MARÓ”, em maiúsculas, o segundo.
Eles dedicaram tempo para pintar os cartazes. Decoraram com grafismos indígenas, mostrando sua disposição em reafirmar a posse do território e tudo o que ele contém. E fazê-lo com dignidade e orgulho. Ednei se esmerou pessoalmente até o último detalhe, cuidando da combinação de vermelho e azul nas bordas geométricas, um sinal de identidade indígena.
No exato momento em que posaram para a foto, mostrando com satisfação e orgulho as duas faixas coloridas antes de finalmente pendurá-las, uma índia de aparência muito humilde apareceu na estrada, carregando na cabeça um macaco e acompanhada de um porquinho, que parecia ter escapado da fazenda de George Orwell.
Depois de um momento de perplexidade geral, Dada se dirigiu a ela, com uma mistura de autoridade e solenidade que explica o seu status de cacique. Dada explicou que a ação de protesto não era contra ela, mas contra quem a enviou para ocupar a casa.
Pediu que ela notificasse os encarregados, que ele queria falar com o madeireiro, e que o encontraria na sexta-feira seguinte para lhe dizer pessoalmente que não tem direito a essa propriedade que está construída em terra Maró e que não pretende ceder aos atos de intimidação. Após a conversa, a jovem pôde entrar novamente, acompanhada pelo macaco e pelo porquinho.
Eles então colocaram as faixas na frente da casa. Ao dar a última martelada no último prego que os afixava, Dada demonstrou a ferocidade e a determinação de quem sabe que enfrenta uma ameaça real, agora protegida por aquele Bonsonaro que o madeireiro evoca como garantia de impunidade.
Essa comunidade de não mais de trezentos indígenas, que defende seu território contra o poder potencialmente avassalador de qualquer indústria madeireira ou extrativa que seja suficientemente fortalecida pelo bolsonarismo que congelou os processos de demarcação, representa a enorme vulnerabilidade desses pedaços de floresta virgem.
Já de volta ao acampamento onde passamos a noite anterior, Ednei permanece de pé na caixa do veículo, segurando sob intensa chuva tropical sua carabina de caça, incorporando uma nova geração de afirmação e resistência. Pertence a uma geração que, tendo assumido orgulhosamente os valores de seus pais e avós, está preparada para enfrentar os desafios de um futuro ameaçado por todos os lados.
Herdeiros de uma luta de gerações, aprendem a defender esses pequenos territórios da enorme e devastadora destruição da mata. E eles sabem que sua luta também contribui para a defesa de uma causa mais global, a defesa do pulmão e da biodiversidade do planeta, a luta contra a mudança climática, embora Trump, Bolsonaro e muitos outros agora neguem que o fenômeno realmente exista.
Essa nova geração, já educada em autoafirmação, começa a usar as ferramentas do ativismo para lutar por seus direitos, com a eficiência necessária para resistir ao desafio que está por vir.
Desafiando a noite na mata virgem, sob um céu brilhante de estrelas que não conhecem a poluição luminosa, o veículo nos leva de volta à vila, onde chegamos bem a tempo de embarcar em uma barcaça velha que nos levará de volta.
Ednei e seu povo conhecem, junto com tantas outras comunidades indígenas brasileiras sobreviventes de genocídios devastadores, que o simples fato de existir é resistir.
De gente como eles, dependem muitas coisas, para que nós façamos vista grossa.